Blog.

"Neuroprótese" é capaz de decodificar cérebro de homem que não falava há 15 anos

Cover Image for "Neuroprótese" é capaz de decodificar cérebro de homem que não falava há 15 anos
por Alan C. Andrade
17 de julho de 2021

As notícias são animadoras e trazem uma perspectiva bastante nova para a abordagem de alguns déficits neurológicos. Toda a comunidade científica que lida com interfaces homem-máquina tem repercutido a notícia.

No dia 15 de julho de 2021, foi publicado um estudo no New England Journal of Medicine, por uma equipe de neurocirurgiões da Universidade da Califórnia em São Francisco, em que os pesquisadores implantaram uma prótese, ou melhor, uma "neuroprótese", capaz de decodificar atividades neuronais. O feito é inédito.

Mas, o que é uma neuroprótese? Basicamente, eles são dispositivos que podem decodificar sinais sensoriais (da nossa visão, atividades motoras, entradas sensoriais ou mesmo sinais cognitivos para tarefas de linguagem, como neste caso do estudo atual). Estes sensores então podem captar informações de um ou vários neurônios ao mesmo tempo - e então, com base em processamento de sinais de computador (você pode chamar essa coisa de decodificação), em seguida retornam essa informação para que um indivíduo execute através de uma prótese uma função que perdeu ou gostaria de "melhorar".

Me chamou atenção o fato de que este dispositivo pode ser uma solução interessante para alguns problemas cognitivos específicos, em que outras áreas do cérebro estão relativamente intactas, mas há um potencial benefício para uma função que é atribuída a uma área anatomicamente delimitada. Veja o vídeo a seguir no Instagram da revista científica (texto em inglês).

 

Na ilustração, é possível observar uma representação do paciente com a neuroprótese.


Infelizmente, do ponto de vista médico, indivíduos que tem lesões em áreas extensas ou que tem repercussão mais grave, tendem a ser candidatos ruins para essas terapias, já que como no possível caso deste paciente, apesar da área motora da fala pudesse estar comprometida, aparentemente há uma preservação na área cerebral responsável pala linguagem, uma função localizada em áreas relativamente bem estudas e mapeadas.

A implantação, portanto, ocorreu em áreas relacionadas a fala e à linguagem humanas e através de algoritmos avançados de computador, capturados por um sensor e decodificadores especialmente desenvolvidos para isso, foi possível decifrar a atividade cerebral a partir decodificação computacional, usando tecnologias relacionadas a aprendizado de máquina, do inglês "machine learning". O paciente em questão tinha sofrido um "derrame" ou AVC, numa área da medula - uma região que habitualmente não se relaciona com problemas de linguagem - e que havia sofrido a lesão 15 anos antes.

 

"Esta é a primeira demonstração bem-sucedida de decodificação direta de palavras completas a partir da atividade cerebral de alguém que está paralisado e não consegue falar.” Postagem da conta oficial do Departamento de Neurocirurgia da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), sobre os resultados da pesquisa.

 

Este tipo de técnica mostra que pessoas que tiveram lesões em áreas determinadas partes do cérebro que ainda estão preservadas podem obter vantagens quando essa decodificação é possível de ser traduzida em sinais claros, entendidos por outras pessoas que não tem doença, trazendo uma melhora da capacidade funcional dos indivíduos com essas condições.

 
“Até onde sabemos, esta é a primeira demonstração bem-sucedida de decodificação direta de palavras completas a partir da atividade cerebral de alguém que está paralisado e não consegue falar” - disse disse o Dr. Edward Chang, autor sênior do estudo publicado na revista NEJM.
 

Outros tipo de dispositivos já haviam sido desenvolvidos feitas com com o uso de próteses relacionadas à atividades motoras, mas essa é uma das poucas vezes - possivelmente a primeira - em que atividades cognitivas puderam ser decodificados com uso de algoritmos mais avançados.

Para tal, como disse, a região neuronal de codificada muito provavelmente estava ainda plenamente funcionante (ou seja, com atividade neuronal intacta ou muito próxima do normal) o que seria muito difícil de ocorrer em pessoas que tem lesão nestas áreas e que n]ao produzem esses estímulos neuronais habitualmente.


Vídeo produzido pela Universidade da Califórnia em São Francisco.

 

Há sem dúvida um grande avanço recente em interfaces em máquinas computacionais capazes de decodificar atividade neuronal. Essas tecnologias chamadas habitualmente de interfaces homem máquina ou cérebro máquina são de uso ainda muito restrito pesquisas, mas tem ocorrido avanços muito consistentes e sem dúvida esta é uma notícia animadora. Neste vídeo (em inglês), você pode ter uma ideia de algumas coisas que tem surgido nesta área de pesquisa.

Texto originalmente publicado no blog em 17 de julho de 2021, às 19:15h (UTC-3 BRT). Última atualização em 18/07/2021, às 10:40h (UTC-3 BRT). Créditos da foto de capa, a Daniel Fazio.

Entre em contato comigo

Um favor. Escrevi algo desatualizado, confuso, ou incorreto? Conta pra mim! Me escreva algumas palavras que avaliarei suas sugestões.

Contato

Mais Posts

Cover Image for Mudanças no horizonte: novas propostas de diagnóstico do Alzheimer e suas implicações

Mudanças no horizonte: novas propostas de diagnóstico do Alzheimer e suas implicações

21 de julho de 20233 min

Em meio a um cenário em constante evolução, a doença de Alzheimer enfrenta novas propostas de diagnóstico. No artigo, faço algumas reflexões sobre as mudanças e suas implicações para profissionais de saúde e pacientes.

leia mais →

por Alan C. Andrade
Cover Image for Neurocientista Eric Kandel se aposenta celebrando uma grande carreira científica

Neurocientista Eric Kandel se aposenta celebrando uma grande carreira científica

31 de agosto de 20223 min

Finalizando seus trabalhos na Univesidade de Columbia, Kandel representa um marco nos estudos da memória

leia mais →

por Alan C. Andrade